A Falta de
Educação no Trânsito
A falta de
investimentos na educação do brasileiro reflete diretamente na
qualidade dos relacionamentos no trânsito. Agressividade e falta de
respeito pela vida é geral.
12
de Dezembro de 2013
Ontem
morreu mais um ciclista aqui em Rio Claro, ex “pacata” cidade do
interior paulista, de quase 200 mil habitantes. O lamentável
acidente choca os cidadãos, em especial a grande comunidade de
ciclistas da cidade, que possuí mais de 170 mil bicicletas, e tem
18% de sua população se locomovendo exclusivamente de bicicleta.
Manoel
Borges de Carvalho, de 58 anos, foi vítima de um motorista que o
atropelou e fugiu sem prestar socorro. Segundo testemunhas, seu
Manoel pedalava pela ciclofaixa da Av. Brasil, quando foi atropelado
por um carro no cruzamento da Av. 80, na tarde de quarta, dia 11/12.
Ele foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros e encaminhado ao PSMI com
vida, mas não resistiu aos ferimentos.
Por
sorte, testemunhas identificaram a placa do veículo e informaram ao
Corpo de Bombeiros, caso contrário seria mais um caso impune,
fomentando o aumento da violência no trânsito. A polícia já
identificou o veículo e intimou o proprietário a se apresentar na
Delegacia.
Mais
um motorista que irá responder legalmente pelo ato cometido, com o
agravante de fugir sem prestar socorro. Pena que acontecimentos como
esse, infelizmente, já são corriqueiros e banais nos noticiários
de nosso país, inclusive com gente saindo impune em inúmeras
situações, basta ter “bala na agulha” e dinheiro no bolso
suficiente para contratar um bom advogado. Lamentável.
Ainda
pior que o próprio acidente, uma atrocidade, é perceber que existem
pessoas que concordam e promovem este comportamento monstruoso. No
grupo Rio Claro, da rede social Facebook, por exemplo, podem ser
vistos comentários de pessoas que, frente ao atropelamento,
conseguem criticar a categoria dos ciclistas esquecendo-se dos
motivos do próprio acidente. Num processo que é clara a inversão
de valores, vítimas são transformadas em algozes e quem às julga
se considera correto em sua colocação; Será pré-conceito ou falta
de informação? Talvez fobia a bicicleta e aos ciclistas?
Quem
sofre de “ciclofobia”, por exemplo, terá muita dificuldade em
respeitar e talvez, nunca consiga se colocar no lugar de um ciclista
(e isso vale para todos os tipos de fobias a qualquer tipo de meio de
transporte). Mas daí a generalizar que todo ciclista é infrator,
que eles não usam ciclovias e ciclofaixas, que são pobres,
arruaceiros e prejudicam o trânsito, chegando ao ponto de querer
atropelar um ciclista, se trata mesmo de desvio de caráter grave.
As pessoas não se dão
conta que, infelizmente, a maior arma no trânsito (além do próprio
veículo) ainda é a imprudência e o desrespeito à vida por parte
dos motoristas, não importa que veículo ele conduza.
O bom funcionamento do
trânsito no mundo contemporâneo se baseia em um tripé:
infraestrutura, educação e fiscalização. Sem infraestrutura para
transitar não haverá trânsito, ou seja, sem ruas e avenidas não
haveria fluxo de veículos nela; a educação é a responsável por
ensinar como utilizar essa infraestrutura, seguindo leis, regras e
normas para otimizar o fluxo e algumas gentilezas para garantir uma
harmonia dele; já a fiscalização serve para coibir e punir os
infratores, fazendo com que as leis, regras e normas sejam seguidas
corretamente, por TODOS.
Em
relação à falta de educação, se trata de um problema que não é
visto só no trânsito, mas em inúmeros setores de nossa sociedade.
E gente ruim também, prova disso é a existência de tantos
criminosos, psicopatas, sociopatas, capitalistas vorazes e
exploradores, pessoas com desvio moral e ético, usurpadores,
facínoras, enfim... Classifique como quiser, o fato é que existem
péssimos cidadãos que contribuem quase sempre só de forma negativa
para o mundo e para as outras pessoas, não fosse assim os presídios
não estariam abarrotados.
Assim
como os cidadãos agem diferentemente em sociedade, existem
diferentes condutas de motoristas no trânsito. Existem os
excelentes, os bons, os medíocres, os maus e alguns que vão além,
são monstruosos, como o caso de Ricardo Neis no Rio Grande do Sul,
que atropelou mais de 100 ciclistas em uma bicicletada, ou no recente
caso do outro monstro, quando fugiu após atropelar um ciclista na
Av. Paulista arrancando seu braço e o jogando em um rio... ainda bem
que os "monstroristas" são uma minoria, mas uma minoria
que assusta e mata.
Da
mesma maneira que existem “monstroristas”, existem
“cicloidiotas”, “motociclistardados”, “pedestrasnos” e
por aí afora. O desrespeito não é exclusivo de um tipo de meio de
transporte, pois o meio de transporte é só um meio, a pessoa que o
conduz é quem desrespeita as leis e os outros, não importa qual
tipo de modal esteja conduzindo. Portanto, as generalizações às
categorias (Ex.: os ciclistas isso, os motociclistas aquilo...) são
extremamente equívocas e míopes, a grosso modo, é como dizer que
todo Alemão, só por ser alemão, é “nazista”.
Fato
é que quem não está protegido por um para-choques (motociclistas,
ciclistas e pedestres) corre o maior risco. A lei é clara, o Código
de Trânsito Brasileiro afirma que o veículo maior deve prezar pela
segurança do menor, e assim sucessivamente. Mas na prática, vemos o
oposto a isso, o maior se impõe sobre o menor e assim por diante. -
Quem já levou uma fechada de um caminhão na estrada, em alta
velocidade, sabe bem do que estou falando.
Agora,
quem não tem para-choques e já foi abalroado, fechado ou cortado
por um caminhão (mesmo na mão preferencial) sabe mais ainda como é
assustador e difícil o convívio com o trânsito, principalmente
sendo desrespeitado diariamente e correndo riscos muito maiores de
atropelamento, mutilação e morte a qualquer acidente.
Dentro
deste contexto, não podemos nos esquecer de duas questões
fundamentais do trânsito, que já resolveriam muitos conflitos
existentes hoje se todos tivessem clareza: A primeira é deixar claro
que quem transita, quem precisa se deslocar, quem é transeunte, são
as pessoas e não os veículos. E a segunda, já dita, que o respeito
à vida dos transeuntes vem em primeiro lugar, independente do tipo
de modal.
Quem
já viu o trânsito da Índia ou da China, por exemplo, deve ter se
questionado “Como ele flui daquela maneira e sem acidentes?”
Trânsito abarrotado de gente, muitas bicicletas, motos, carros, ruas
sem sinalização nos cruzamentos, sem semáforos, preferenciais,
placas informativas, enfim, sem a estrutura que estamos acostumados e
cobramos que exista no mundo ocidental.
Sabe
por que nesses países o trânsito funciona? Porque existe respeito
pelo próximo, pelo seu espaço, pelo seu direito, pela sua vida,
pela diversidade. É uma questão cultural ensinada em casa desde
cedo e não nas escolas, auto-escolas ou impostas pelas autoridades
competentes. Nesses países observamos claramente que a questão
fundamental do trânsito é o respeito à vida. À sua, à dele, à
minha, à nossa.
Eu
sou ciclista, pedestre, motorista e motociclista, utilizando esses
modais com mais frequência exatamente nesta ordem. Fui atleta e já
vivenciei muitas situações ruins no trânsito, mas aprendi a me
impor. Como meu principal meio de locomoção é a bicicleta vivencio
diariamente situações de desrespeito para com o ciclista, como
fechadas, xingamentos, buzinadas e “finas”. Para quem já tomou
pedrada e laranjada nas costas enquanto treinava no acostamento, ter
um carro o ultrapassando em alta velocidade a menos de 1,5m de
distância (regulamentado por lei) não é uma coisa que espanta
mais, infelizmente. Resta a triste pergunta: “Qual será a próxima
atitude que não espantará mais no trânsito?”
Por:
Clayton Palomares, ciclista graduado em administração de empresas,
Presidente da Federação Paulista de Mountain Bike, Vice Presidente
da Confederação Brasileira de Mountain Bike e apresentador do
programa De Bike TV.