sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A Falta de Educação no Trânsito por Clayton Palomares


A Falta de Educação no Trânsito

A falta de investimentos na educação do brasileiro reflete diretamente na qualidade dos relacionamentos no trânsito. Agressividade e falta de respeito pela vida é geral.





 12 de Dezembro de 2013

Ontem morreu mais um ciclista aqui em Rio Claro, ex “pacata” cidade do interior paulista, de quase 200 mil habitantes. O lamentável acidente choca os cidadãos, em especial a grande comunidade de ciclistas da cidade, que possuí mais de 170 mil bicicletas, e tem 18% de sua população se locomovendo exclusivamente de bicicleta.
Manoel Borges de Carvalho, de 58 anos, foi vítima de um motorista que o atropelou e fugiu sem prestar socorro. Segundo testemunhas, seu Manoel pedalava pela ciclofaixa da Av. Brasil, quando foi atropelado por um carro no cruzamento da Av. 80, na tarde de quarta, dia 11/12. Ele foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros e encaminhado ao PSMI com vida, mas não resistiu aos ferimentos.
Por sorte, testemunhas identificaram a placa do veículo e informaram ao Corpo de Bombeiros, caso contrário seria mais um caso impune, fomentando o aumento da violência no trânsito. A polícia já identificou o veículo e intimou o proprietário a se apresentar na Delegacia.
Mais um motorista que irá responder legalmente pelo ato cometido, com o agravante de fugir sem prestar socorro. Pena que acontecimentos como esse, infelizmente, já são corriqueiros e banais nos noticiários de nosso país, inclusive com gente saindo impune em inúmeras situações, basta ter “bala na agulha” e dinheiro no bolso suficiente para contratar um bom advogado. Lamentável.
Ainda pior que o próprio acidente, uma atrocidade, é perceber que existem pessoas que concordam e promovem este comportamento monstruoso. No grupo Rio Claro, da rede social Facebook, por exemplo, podem ser vistos comentários de pessoas que, frente ao atropelamento, conseguem criticar a categoria dos ciclistas esquecendo-se dos motivos do próprio acidente. Num processo que é clara a inversão de valores, vítimas são transformadas em algozes e quem às julga se considera correto em sua colocação; Será pré-conceito ou falta de informação? Talvez fobia a bicicleta e aos ciclistas?
Quem sofre de “ciclofobia”, por exemplo, terá muita dificuldade em respeitar e talvez, nunca consiga se colocar no lugar de um ciclista (e isso vale para todos os tipos de fobias a qualquer tipo de meio de transporte). Mas daí a generalizar que todo ciclista é infrator, que eles não usam ciclovias e ciclofaixas, que são pobres, arruaceiros e prejudicam o trânsito, chegando ao ponto de querer atropelar um ciclista, se trata mesmo de desvio de caráter grave.
As pessoas não se dão conta que, infelizmente, a maior arma no trânsito (além do próprio veículo) ainda é a imprudência e o desrespeito à vida por parte dos motoristas, não importa que veículo ele conduza.
O bom funcionamento do trânsito no mundo contemporâneo se baseia em um tripé: infraestrutura, educação e fiscalização. Sem infraestrutura para transitar não haverá trânsito, ou seja, sem ruas e avenidas não haveria fluxo de veículos nela; a educação é a responsável por ensinar como utilizar essa infraestrutura, seguindo leis, regras e normas para otimizar o fluxo e algumas gentilezas para garantir uma harmonia dele; já a fiscalização serve para coibir e punir os infratores, fazendo com que as leis, regras e normas sejam seguidas corretamente, por TODOS.
Em relação à falta de educação, se trata de um problema que não é visto só no trânsito, mas em inúmeros setores de nossa sociedade. E gente ruim também, prova disso é a existência de tantos criminosos, psicopatas, sociopatas, capitalistas vorazes e exploradores, pessoas com desvio moral e ético, usurpadores, facínoras, enfim... Classifique como quiser, o fato é que existem péssimos cidadãos que contribuem quase sempre só de forma negativa para o mundo e para as outras pessoas, não fosse assim os presídios não estariam abarrotados.
Assim como os cidadãos agem diferentemente em sociedade, existem diferentes condutas de motoristas no trânsito. Existem os excelentes, os bons, os medíocres, os maus e alguns que vão além, são monstruosos, como o caso de Ricardo Neis no Rio Grande do Sul, que atropelou mais de 100 ciclistas em uma bicicletada, ou no recente caso do outro monstro, quando fugiu após atropelar um ciclista na Av. Paulista arrancando seu braço e o jogando em um rio... ainda bem que os "monstroristas" são uma minoria, mas uma minoria que assusta e mata.
Da mesma maneira que existem “monstroristas”, existem “cicloidiotas”, “motociclistardados”, “pedestrasnos” e por aí afora. O desrespeito não é exclusivo de um tipo de meio de transporte, pois o meio de transporte é só um meio, a pessoa que o conduz é quem desrespeita as leis e os outros, não importa qual tipo de modal esteja conduzindo. Portanto, as generalizações às categorias (Ex.: os ciclistas isso, os motociclistas aquilo...) são extremamente equívocas e míopes, a grosso modo, é como dizer que todo Alemão, só por ser alemão, é “nazista”.
Fato é que quem não está protegido por um para-choques (motociclistas, ciclistas e pedestres) corre o maior risco. A lei é clara, o Código de Trânsito Brasileiro afirma que o veículo maior deve prezar pela segurança do menor, e assim sucessivamente. Mas na prática, vemos o oposto a isso, o maior se impõe sobre o menor e assim por diante. - Quem já levou uma fechada de um caminhão na estrada, em alta velocidade, sabe bem do que estou falando.
Agora, quem não tem para-choques e já foi abalroado, fechado ou cortado por um caminhão (mesmo na mão preferencial) sabe mais ainda como é assustador e difícil o convívio com o trânsito, principalmente sendo desrespeitado diariamente e correndo riscos muito maiores de atropelamento, mutilação e morte a qualquer acidente.
Dentro deste contexto, não podemos nos esquecer de duas questões fundamentais do trânsito, que já resolveriam muitos conflitos existentes hoje se todos tivessem clareza: A primeira é deixar claro que quem transita, quem precisa se deslocar, quem é transeunte, são as pessoas e não os veículos. E a segunda, já dita, que o respeito à vida dos transeuntes vem em primeiro lugar, independente do tipo de modal.
Quem já viu o trânsito da Índia ou da China, por exemplo, deve ter se questionado “Como ele flui daquela maneira e sem acidentes?” Trânsito abarrotado de gente, muitas bicicletas, motos, carros, ruas sem sinalização nos cruzamentos, sem semáforos, preferenciais, placas informativas, enfim, sem a estrutura que estamos acostumados e cobramos que exista no mundo ocidental.
Sabe por que nesses países o trânsito funciona? Porque existe respeito pelo próximo, pelo seu espaço, pelo seu direito, pela sua vida, pela diversidade. É uma questão cultural ensinada em casa desde cedo e não nas escolas, auto-escolas ou impostas pelas autoridades competentes. Nesses países observamos claramente que a questão fundamental do trânsito é o respeito à vida. À sua, à dele, à minha, à nossa.
Eu sou ciclista, pedestre, motorista e motociclista, utilizando esses modais com mais frequência exatamente nesta ordem. Fui atleta e já vivenciei muitas situações ruins no trânsito, mas aprendi a me impor. Como meu principal meio de locomoção é a bicicleta vivencio diariamente situações de desrespeito para com o ciclista, como fechadas, xingamentos, buzinadas e “finas”. Para quem já tomou pedrada e laranjada nas costas enquanto treinava no acostamento, ter um carro o ultrapassando em alta velocidade a menos de 1,5m de distância (regulamentado por lei) não é uma coisa que espanta mais, infelizmente. Resta a triste pergunta: “Qual será a próxima atitude que não espantará mais no trânsito?”

Por: Clayton Palomares, ciclista graduado em administração de empresas, Presidente da Federação Paulista de Mountain Bike, Vice Presidente da Confederação Brasileira de Mountain Bike e apresentador do programa De Bike TV.

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